quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Excepções



Jogar à bola até romper as sapatilhas. "Achar" rolamentos para fazer carrinhos e depois "desbumdar" com eles. Fazer aventuras de bicicleta como ninguém viu. Nadar nu. Andar de skate.
Andar à pancada fazia parte de cada um.
Tudo isso. Mas os estudos tinham a sua importância e haviam bons resultados.
E foi assim a infância do meu irmão, até onde sei. Isso fez dele o homem que é hoje.
(...)
Não sei nadar, andava de skate somente sentado. Nunca senti o cheiro a um carrinho de rolamentos. E, segundo o meu irmão, “os putos do bairro tinham outra união naquele tempo”. No dele.
Eu passei dias sem fim a jogar à bola. Nunca tive uma bicicleta sem rodas de apoio e, quando aprendi a andar sem elas na bicicleta de um amigo, nunca fui nenhum aventureiro. Limitava-me a andar às voltas no jardim. Em pequeno andava imensas vezes à pancada. O meu oculista de eleição lucrava com isso.
Nas férias de verão era a minha tarefa predilecta apanhar a fruta das árvores que haviam relativamente perto do bairro. Os respectivos donos não lhe viam muita graça.
Consolas eram uma coisa que havia em casa, mas era preciso pedir para mexer.
Entretanto, algures no meio do tempo, o meu irmão comprou uma consola para ele com o dinheiro do primeiro trabalho de verão. Escancararam-se-me as portas para esse mundo virtual e eu entrei de bom grado.
Já no meu tempo se começava a ver a criação de dependência pelos vídeo-jogos.
Os meus irmãos, ao verem o poder absorvente que tal tinha sobre mim, apresentaram-me os livros.
E diga-se que eu gostei...
Já conhecia esse objecto mas, para mim, não passava de um adorno de estante.
Comecei então a ler, fui ganhando alguma cultura.
Anos depois, aqui estou. Pelo meio apanhei o gosto pela escrita e ganhei um apreço pela literatura de Palahniuk.
Este sou eu. Não me considero uma pessoa culta, porém não me vejo inculto. Não considero que nutra de uma inteligência fora do normal, apenas acho que tenho relativa facilidade de aprendizagem.
Sou uma pessoa saudável e tudo o que passou contribuiu para isso, de certa forma.
Eu era o puto bem disposto que nunca fazia os trabalhos de casa mas sempre tirava boas notas. Eu era o puto que ia vezes sem conta ao conselho directivo fazendo com que toda a gente soubesse o meu nome, contudo nunca fui suspenso. Era traquina, mas todas as pessoas gostavam de mim, excepto, talvez, alguns colegas com quem tenha tido problemas.
Sou filho de pais separados e nunca me meti em drogas. Nunca me faltou comida à boca (eu até comia por 2), mas não capaz de me voltar a vestir daquela forma.
Hoje em dia não estou na cadeia. Não tinha telemóveis nem internets nem nada disso. E sempre fui um bom rapaz.
Agora vejo metade da minha geração a ver o sol nascer aos quadrados, enterrados em drogas ou fugidos da policia. Outra grande parte são incultos e nunca acabaram a escola (12º). Alguns nem a obrigatória.
Eu cresci a comer terra e a brincar nos latões do lixo. Hoje não tenho nenhuma doença crónica por causa disso.
Na varanda de minha casa haviam bancos e eu nunca cai pela mesma.
Eu chegava aos medicamentos e nunca os tomei por diversão.
Hoje em dia dizem que não se deve deixar os putos brincar na areia e é impensável faze-lo nos latões do lixo. Mas hoje em dia passam a vida nos hospitais com os putos porque eles têm mil e uma doenças.
Existem grades nas varandas, objectos perigosos estão fora do alcance. Todo o cuidado. E cada vez mais há acidentes em casa.
Venha lá a minha "má" infância então.

E os putos de hoje?

Os putos, coleccionadores de doenças, vivem em frente ao televisor com o comando de uma consola qualquer da ultima geração numa mão. E uma coca-cola na outra.
Almoçam pizza ou fritos dia-sim dia-sim. (Como eu gosto de uma boa sopa.)
Têm telemóvel aos 6 anos, coisa que nunca irei compreender. Argumentam os pais que é para estarem em contacto com os meninos. No meu tempo a escola ligava para casa ou para o trabalhos dos pais quando era preciso.
Tornam-se ditadores debaixo do tecto da sua casa quando os progenitores ainda lhes trocam a fralda. Sentem-se superiores. Os poucos espécimes humildes que conhecem são desprezados e apenas confraternizam com os seus iguais.
As raparigas tornam-me o estereotipo americano cedo. Incultas, todas aperaltadas, megalomaníacas e com um grau de estupidez agudo. Fico feliz ao verificar excepções. Os rapazes conhecem tudo sobre carros. Pronto, vá, aquilo que aprendem nos jogos direccionados para essa área. Só lhes passa na cabeça desejos sexuais e 99% deles apenas leram um livro na vida. "Eu, Carolina". Os restantes não sabem ler.

Estou a exagerar, certamente. Mas encontre-se aqui perdidos fragmentos da verdade.
Com a vinda de novas gerações as coisas parecem-me piorar.
Não acho que todas as pessoas devessem ler. Acredito que devia fazer parte dos interesses de cada um aumentar a sua cultura. O saber não pesa. Devia fazer parte de cada um querer ler um livro qualquer do seu gosto e discuti-lo com alguém que lhe partilhasse as paixões.
Mas, tristemente, já vi, na minha geração, tal ser quase desprezado. Já vi pessoas serem postas de parte em conversas porque queriam falar de literatura.

Já.... já me pediram que me calasse. E depois, nos momentos em que sinto dentro de mim uma crescente revolta e tento, sem êxito, fazer ver naqueles que me são mais próximos a luz da (minha) verdade. Nessas alturas passo eu por megalomaníaco.

(...)

Este post esteve guardado durante uns dias. Comecei a escreve-lo e tive de interromper a minha tarefa por motivos exteriores. E ficou assim...
Quando voltei a olhar para ele, tentei acaba-lo. Não lhe vejo sucesso.
A ideia que tive para o post era bem mais grandiosa do que a aqui presente. Era digna de qualquer leitor.
Não gosto. Ainda assim, aqui fica.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Último Adeus



E, como disse, o tempo está a tirar-te de mim.
Custa saber-te longe, mas ando mais calmo, mais relaxado. Só é pena que contigo leves também as palavras...
Em momentos de qualquer coisa que ainda não aprendi a definir, em momentos que sorria com as lágrimas a lavarem-me o rosto. Em momentos que o sol me derretia a face e a chuva me fustigava a pele.
Em momentos.
Em momentos em que eu era invadido por inúmeras perguntas. Naqueles momentos que alguns insistem em chamar crises existenciais, gosto mais de chamar esses momentos de "instantes de fraqueza injustificada a acompanhar duvidas irreflectidas".
Nesses momentos tu invadias a minha cabeça e dançavas. Dançavas com todas essas duvidas que me assaltavam até elas se cansarem.
E, assim, escrevia.
Sobre o que quer que me surgisse na mente.
Partiste. E contigo foram também as palavras. Apesar de te saber longe, descanso.
Porque, quando voltares, vais abraçar-me, sorrir-me cheia de vontade. Contar-me todas as viagens que tiveste, os demónios que enfrentaste, os deuses que te abençoaram.
Vais contar-me tudo com a alegria e o entusiasmo de uma criança.
Eu, contente pelo teu regresso, vou receber-te de bom grado. Vou beber-te todas as histórias (estórias).
Para depois partir eu. Para bem longe.
Por quanto tempo? Dependerá de ti. A tua vontade trar-me-á de volta. A teu pedido, ter-me-ás um regresso.

Este descanso que a distância me proporciona. Esta calmaria arrebatadora. Este silêncio. Roubam-me a vontade de escrever.

E só insisto, mesmo sem vontade, porque já não o faço para tentar agradar a ninguém. Apenas quero.

Não te queria para mim, moça. És ainda uma menina, ainda que a tua fisionomia te diga Mulher. És ainda uma pequena criança que me acusa megalomania.
Não, essa não é uma das minhas loucuras. No tempo que dediquei aos outros, esse meu grande pecado, vi-me forçado a crescer. Evoluir.
Tornei-me demasiado grande para que consigas suster-me em ti. Primeiro terias que compreender-me, uma tarefa herculeana.
Compreender tudo o que sou. Tudo o que me fizeste ser.
Entendo que me acuses de megalomania, só porque sei que nem eu mesmo me entendo. Não sou superior a ti, nem a ninguém. Apenas diferente.
Tu precisas de debater com amigos para poderes ver todas as faces da moeda. Eu consigo fazer isso sozinho. Perspectivar toda uma coisa, de varias formas e sozinho.

Não te quero para mim, és já minha. Este amor socrático, platónico, que nutro por ti faz-te minha.
Por toda a eternidade.
Veloz aproxima-se o dia do último Adeus. O dia em que me despedirei de ti com toda a vontade. Mesmo sendo provável que nos tornemos a encontrar, que tornemos a cruzar olhares. Mesmo assim, não serei mais eu.
Vou fazer a minha própria viagem dantesca e deixar outra parte de mim no meu lugar.
Creio estar a começar uma nova aventura, chamemos-lhe assim. Creio estar a começar a dar valor às coisas correctas. Creio que vou começar a viver.
Continuarei sendo eu. "Tudo para todos, diferente para cada um".
Para ti... serei apenas mais um.

Entenda-se.


PostScript: Finalmente de férias.